domingo, 6 de maio de 2012

QUANTAS CORES TEM O ARCO-ÍRIS?




Quantas cores tem o arco-íris?

Diante dessa pergunta, parece óbvio que a única resposta possível é sete.

De fato, aprendemos na escola que as sete cores do arco-íris são vermelho, laranja, amarelo, verde, azul, anil e violeta. Isso parece óbvio não só para nós brasileiros mas para outros povos também. Por exemplo, o sábio inglês Isaac Newton descobriu que a luz branca é composta de sete cores ao fazer passar um raio de sol por um prisma de vidro.

A seguir, pintou um disco de papelão com as sete cores do arco-íris e, ao girá-lo bem depressa, o disco se tornava branco. Assim sendo, não nos parece apenas óbvio mas sobretudo parece ser uma lei da natureza que o espectro da luz visível possua sete cores. Essas cores recebem diferentes nomes em cada língua, mas são sempre sete.

No entanto, quando os europeus passaram a estudar a fundo outras culturas, bem diferentes da sua, tiveram uma surpresa: viram que o que parece óbvio nem sempre é tão óbvio assim. Existe na Libéria, África, uma população chamada bassa, para quem o arco-íris tem apenas duas cores, que eles chamam de ziza e hui.

Ou seja: o que para nós ocidentais, falantes de línguas européias, são cores diferentes, para os bassa da Libéria são tons de uma mesma cor.

Assim, vermelho, laranja e amarelo são para eles três tonalidades de ziza. A distinção entre essas tonalidades se dá por meio de certos adjetivos. Assim, vermelho é ziza escuro, amarelo é ziza claro, e assim por diante.

O que esse exemplo nos mostra é que as diferentes línguas não são meros conjuntos de rótulos que damos às coisas, de tal modo que, quando passamos de uma língua a outra, apenas mudamos os rótulos das coisas; na verdade, as línguas não dão nomes diferentes aos mesmos objetos, mas, antes, dão nomes diferentes a objetos diferentes.

O fato é que a natureza, tal qual ela é, isto é, independente do modo como o ser humano a vê, é uma realidade contínua, que não possui divisões arbitrárias.

Poderíamos dizer que, quando Deus criou o mundo, não colocou etiquetas assinalando onde termina uma coisa e onde começa outra. Não há nenhuma placa ou outro sinal qualquer indicando onde um curso d’água deixa de ser um córrego e passa a ser um rio.

Da mesma forma, o arco-íris não tem nem duas nem sete cores: o espectro da luz visível é composto de uma infinidade de ondas eletromagnéticas, cada uma com sua freqüência específica.

Somos nós, humanos, que tomamos esse espectro contínuo de freqüências de onda e o dividimos em faixas, correspondentes às diversas “cores”. Por isso, é natural que cada povo, com sua cultura particular, divida a natureza de forma diferente.

O que para um brasileiro é apenas noite para um inglês pode ser evening ou night, e esses dois termos não são sinônimos em inglês. Evening é o período do dia que começa ao pôr do sol e dura até a hora de ir dormir. A partir de então e até a alvorada do dia seguinte, temos night. Para um brasileiro, a noite começa ao pôr do sol de um dia e vai até a alvorada do dia seguinte.

É por isso que um inglês diz good evening ao chegar a uma recepção noturna e good night ao retirar-se, enquanto um brasileiro diz simplesmente boa noite tanto ao chegar quanto ao sair.

Ainda em inglês, aqueles animais que nós, falantes do português, chamamos de macacos classificam-se em monkeys e apes segundo a sua espécie. Desse modo, o mico e o chimpanzé são monkeys; já o orangotango e o gorila são apes. De um modo geral, poderíamos dizer que macacos pequenos são monkeys, ao passo que os grandes primatas — com exceção do homem, é claro — são apes.

No entanto, um mico gigante (se existisse algum) continuaria sendo um monkey, assim como um gorila anão seria um ape, não obstante o seu tamanho. Isso mostra que, para os ingleses, monkeys e apes são animais diferentes e não apenas tamanhos diferentes de um mesmo animal.

O que ocorre é que cada língua reflete uma particular visão de mundo, própria de cada cultura. O que para um brasileiro é apenas gelo recebe, entre os esquimós, mais de dez nomes diferentes conforme a consistência e a espessura. Numa região em que conhecer os diversos tipos de gelo pode significar a diferença entre a vida e a morte, é perfeitamente compreensível que a análise lingüística da água solidificada seja muito mais detalhada do que num país tropical como o nosso.

Essa diferente análise da natureza feita por cada língua é chamada pelos lingüistas de recorte cultural. Desse modo, brasileiros e esquimós “recortam” a água solidificada de maneiras diferentes, assim como diferentes povos “recortam” o arco-íris de formas diferentes.

O lingüista francês Émile Benveniste usou uma bela figura para explicar o recorte cultural: para ele, a natureza é como a superfície da água de um lago, acima da qual se estende uma rede de pesca num dia de sol. A rede não é mergulhada na água, mas apenas mantida acima dela a uma certa altura, por isso não a recorta realmente, apenas projeta sua sombra sobre a superfície da água.

Ora, o que as línguas fazem é exatamente projetar sobre a realidade à nossa volta a “sombra” de uma rede semântica que divide hipoteticamente essa realidade em conceitos distintos. Por essa razão, aprender uma outra língua nos ajuda a abrir nossa visão, a ver a realidade com outros olhos e, conseqüentemente, a nos tornarmos menos etnocêntricos e mais capazes de perceber a beleza que existe em culturas muito diversas da nossa.

Em outras palavras, aprender novas línguas nos faz menos arrogantes em relação a outros povos, mais tolerantes com as diferenças e mais solidários.

Outra conseqüência das diferentes visões de mundo existentes é que quase nunca a tradução entre línguas é perfeita. Lógico que entre idiomas próximos como o português e o espanhol há pouca dificuldade de tradução (embora, nem por isso, brasileiros e argentinos deixem de cometer gafes ao tentar se comunicar na mesma língua), mas como traduzir um texto específico de uma realidade numa língua pertencente a uma realidade diferente?

Como traduzir um manual de informática em latim ou dar uma palestra sobre física nuclear em ianomâmi?

Obviamente isso é impossível, o que mostra, mais uma vez, que o que parece óbvio nem sempre o é.

Fonte: www.aldobizzocchi.com.br
 
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